A magia exata das órbitas sinuosas

Caio Bonifácio

A pintura iluminada por um holofote (1) dá as boas vindas: um conjunto de galáxias representado a óleo. Personagem fundamental neste palco: a imagem do espaço.

À esquerda, meteoritos chovem estáticos pelos trajetos desenhados (2) na sala branca: cerâmicas magnéticas fixadas em tubos de aço carbono.

À direita, um círculo vazado desenhado com espelho (3), cujo reflexo é sutilmente distorcido. Atravessando a vitrine, o espelho reflete dentro e fora.

Ao fundo da sala, uma projeção de vídeo (4) exibe imagens da Galeria Metrópole misturadas a outras quase não reconhecíveis de corpos celestes.

Este último trabalho pode servir como um modelo de pensamento. As imagens projetadas não são nítidas. Entre a lâmpada e a superfície de projeção, uma composição com bloco de acrílico e uma lente convergente reflete e distorce as imagens. A duplicação do sistema do aparelho não resulta em nitidez da informação, mas produz indeterminação. A intervenção no sistema multiplica a opacidade.

órbitas sinuosas

O título Órbitas sinuosas desafia a própria noção de órbita: um trajeto geométrico. A geometria oferece uma gama ampla de relações entre pontos abstratos e virtualidades do espaço, em desenhos tão exatos quanto fórmulas matemáticas podem descrever.

Já a sinuosidade oferece imagens de trajetos que volteiam. São as curvas da estrada que desce a serra, é o trajeto de uma serpente. Sinuosa é a existência de um corpo que vive entre a força de atração de dois pólos que disputam poder. Em sentido figurado, sinuoso também é o duvidoso, o dissimulado e o obscuro.

então outro método

Os trabalhos de Carlota Mason e Débora Mazloum parecem partir de um encanto pelo mundo sinuoso da astronomia e dos fenômenos naturais.

As peças na mostra Órbitas sinuosas são cristalizações de pesquisas sobre magnetismo, fenômenos ópticos e astronomia – três magias antigas. Esses tópicos são filtrados e moldados a partir de preocupações específicas com espaço, forma e comunicação.

A despeito dos desenhos preparatórios e dos projetos, tudo só encontra um lugar e uma solução na instalação. Algumas vezes, até a própria possibilidade de realização do trabalho só é descoberta na montagem da exposição. Não foi diferente no caso destas órbitas sinuosas.

Na entrada, Carlota Mason reproduz em pintura uma imagem do espaço sideral capturada pelo telescópio Hubble. Como ela conta, a imagem surge da aposta arriscada de um astrônomo, de posicionar o telescópio na direção de um lugar no espaço onde ainda não havia nada reconhecido. Então o mistério se faz visível, e aqui é fixado na superfície de uma tela, em um processo mimético e ilusório: as manchas de tinta simulam a emanação luminosa dos corpos celestes.

Débora Mazloum toma a aparência das rochas como ponto de partida para fabular trabalhos que parecem uma fusão entre meteoritos e rochas com minérios e pedras preciosas. A artista mistura magnetita e outros minerais ferrosos na argila e nos pigmentos, que depois queimam e se fundem em peças singulares.

A apresentação frisa uma diferença entre as peças e os meteoritos: elas são fixadas em uma barra metálica, com ímãs de neodímio. Essas peças não estão isoladas em uma superfície neutra, como um meteorito, mas são parte de uma composição de linhas que atravessam o espaço expositivo.

Não se trata de demonstrar as propriedades do magnetismo, mas de colocá-las em prática para a produção de uma beleza mundana encarnada no mistério de peças sedutoras. Sedução semelhante é exercida pelo espelho na vitrine, que captura trechos da imagem do observador, quase como uma ação alienígena.

A estrutura visível de montagem dos trabalhos, com cabos, refletores e lentes expostos, nos arrasta à mundanidade daqueles objetos. A teoria científica dá abertura às experimentações com a soma dos materiais envolvidos em fenômenos invisíveis.

O que se vê é resultado de operações materiais ainda não descritas em manuais. A ciência fomenta a criação de uma experiência anterior a ela mesma. Retoma-se o mistério do magnetismo, das luzes e das estrelas na produção de um desconhecimento sensível e uma experiência estética deslocada.

Daí:

a explicação se converte em mistério e fascínio